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29 de dez. de 2014

Até 20% dos adolescentes e adultos jovens já experimentaram a automutilação




Associação Americana de Psiquiatria estuda considerar o comportamento como transtorno psiquiátrico

Carolina Cotta - Estado de Minas

Publicação:10/12/2014 





"...eu estava me apunhalando, realmente me atacando com a chave de fenda e aquela dor física que eu estava causando foi melhor que qualquer droga que o hospital tinha. Estava fazendo todo o resto ir embora.A dor, a dor física, estava fluindo pelas minhas veias como heroína, e eu estava entorpecida, imune a todo o resto. Eu não pude sentir nada além de dor, e eu sabia que eu tinha achado um jeito de me salvar" - Trecho do livro Willow, de Julia Hoban


“Não lembro da primeira vez que me cortei, mas eu sentia uma angústia muito grande e não sabia como lidar com aquilo. Em algum momento, comecei a me arranhar e depois a me cortar. Nunca foi algo para chamar atenção, eu escondia. Também não sentia dor, mas aliviava meu sofrimento.” As lembranças de adolescência da bióloga Carolina Costa, hoje com 25 anos, ilustram a triste realidade das pessoas que se automutilam para enfrentar sentimentos com os quais não conseguem mais lidar. Não existem estudos epidemiológicos no Brasil sobre a incidência de autolesão, mas pesquisas feitas no exterior mostram que a prática vem crescendo nos últimos anos. Dados mundiais, considerando apenas adolescentes e adultos jovens, mostram que de 17% a 20% já tiveram, em algum momento da vida, tal comportamento.

Segundo a psiquiatra da infância e da adolescência Jackeline Giusti, responsável pelo ambulatório de adolescente e automutilação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), na quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-5, a automutilação é classificada como transtorno psiquiátrico com necessidade de estudos futuros. “Há uma tendência em considerar esse comportamento como um transtorno psiquiátrico por si só, e não mais como comportamento relacionado a outros problemas”, adianta a especialista. Já na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), ela é tida como transtorno do controle do impulso não específico, ou como um dos sintomas de transtornos de personalidade como o borderline.

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), classificado pelo psicanalista Adolph Stern como uma patologia entre a neurose e a psicose que gera uma disfunção no metabolismo cerebral, desintegrando o ego e gerando um sentimento de perda desesperador, é o caso da personagem de Débora Falabella na minissérie Dupla identidade, da Globo. Na trama, a produtora de moda Ray arranha os braços até sangrar muito quando o namorado Edu, o psicopata serial killer vivido por Bruno Gagliasso, some.

Por outro lado, segundo Giusti, há a tendência de desvincular a automutilação de transtornos de personalidade, como o borderline. “Transtorno de personalidade não tem muito tratamento, seu controle não é algo direto. Tem muito paciente que se automutila e não é borderline. Primeiro, porque adolescente nao tem transtorno de personalidade, porque sua personalidade ainda não está formada. Tem, no máximo, traços”, explica.

A automutilação geralmente começa na adolescência e é mais comum nessa faixa etária, mas pode se prolongar até a vida adulta. Um estudo australiano acompanhou, por oito anos, pessoas que começaram a se automutilar ainda jovens e revelou que sintomas depressivos e suporte familiar fraco seriam fatores determinantes dessa persistência do comportamento. O auto-flagelo na adolescência é tema do recém-lançado livro Willow (Editora LeYa), da norte-americana Julia Hoban. Voltado para o público infanto-juvenil, o romance conta a história da personagem que dá nome ao livro, que começa a se cortar para se livrar do sofrimento e da culpa de ter causado a morte dos pais, que faleceram em um acidente de carro em que ela dirigia.


O PANO DE FUNDO 

A pessoa que se automutila, com frequência, refere-se a uma tensão anterior. Segundo a psiquiatra Jackeline Giusti, o ato de se machucar, se morder, se bater – o mais comum é se cortar e se queimar – dá um alívio a quem o pratica. Isso porque o corte, ou qualquer outra lesão no corpo, libera endorfina, mesmo hormônio que dá sensação de bem estar após o exercício aeróbico, por exemplo. Alguns estudos sugerem que quem se automutila liberaria, em função do estresse que antecede o ato, uma quantidade maior do hormônio que outras pessoas. Outra hipótese é a de que uma pré-disposição genética poderia estar relacionada a uma maior liberação de endorfina, o que provocaria uma sensação de bem-estar e não de dor.

Carolina Costa começou a se cortar aos 12 anos. Naquela época, em função da profissão da mãe, se mudava várias vezes de cidade ou de escola, o que, para ela, foi determinante para se tornar retraída e tímida. “As mudanças trouxeram muitos problemas. Não criava raiz, não criava vínculos, não tinha muitos amigos para compartilhar questões mais pessoais”, lembra. Discussões na família ou mesmo uma cena vista na televisão que a entristeciam começaram a ser gatilhos para o ato de se arranhar e depois experimentar cortes mais elaborados, com tesoura, compasso e lapiseira, até passar para a faca. “Não tinha muito padrão. Algumas vezes, os cortes eram mais profundos; em outras, mais superficiais. Dependia da angústia que eu sentia. A maioria das vezes, fazia cortes rápidos e repetitivos no mesmo lugar. E eu não sentia dor”, lembra.

A preocupação com a ansiedade de Carolina fez a mãe levá-la a um médico ortomolecular, que pediu para ficar sozinho com a adolescente, na época com 14 anos. “Aquilo me deu confiança para contar da angústia que eu sentia e com a qual não sabia lidar.” O acolhimento do especialista foi marcante para a paciente, que se lembra de ele explicar que pessoas depressivas como ela, e com transtorno de ansiedade, seriam mais sensíveis e intolerantes a injustiças, que não conseguiam ser superficiais. Segundo Giusti, é comum que a automutilação esteja mesmo associada a depressão e ansiedade, daí a terapia ser essencial na abordagem do problema. Carolina parou de se cortar com 17 anos, mas se tratou até os 19 anos. Diminuiu a frequência da automutilação desde que começou a fazer a terapia e a se medicar.

Segundo Fátima Vasconcellos, diretora médica do Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro, o tratamento é com terapia cognitivo-comportamental e medicamentos antidepressivos, como inibidores seletivos de recaptação de serotonina. “É fundamental que as pessoas reconheçam que isso é uma doença e, principalmente, que é tratável”, alerta. Para a especialista, os pais devem ficar atentos para levar os filhos a um especialista se desconfiarem de uma automutilação. Também é preciso observar as comunidades das redes sociais que dão apoio a esses adolescentes, mas também trocam experiências de como se mutilar. “Infelizmente, a internet é uma extraordinária ferramenta tanto para o bem quanto para o mal. Sempre tem pessoas estimulando comportamentos autodestrutivos, inclusive orientado como fazê-lo de forma mais eficiente”, chama a atenção Fátima.

A forma como esse problema é abordado pelos adultos é muito importante. Educadores que desconfiarem do comportamento em alguma criança ou adolescente devem procurar os responsáveis. Segundo Giusti, é a oportunidade de saber se a família está enfrentando algum problema em casa que possa estar desencadeando o comportamento. Mas o mais importante é não reforçar o estigma de que o paciente faz aquilo para chamar a atenção, porque geralmente ele faz escondido, mesmo que em um segundo momento possa usar aquilo para manipular os pais. “Se o pais descobrirem que seu filho está se cortando, a regra é básica: olhe para ele como se ele estivesse chorando e pergunte o motivo do sofrimento. O problema não é o corte. Ninguém feliz se corta. É preciso descobrir o sentimento que está por trás daquilo”, alerta a psiquiatra.


26 de dez. de 2014

Sobre Dupla Identidade.




Um dia eu estava conversando no WhatsApp e aparece a mensagem: "Glória Perez deixou uma mensagem pra você". E foi assim que comecei a minha história com o seriado Dupla Identidade. No começo eu não acreditava que a coisa iria tão longe. Sabe quando é muito bom pra ser verdade? 

A cada e-mail trocado com a Débora, com a Glória, a cada pergunta respondida, foi crescendo a minha ansiedade, mas insistia em manter os pés no chão. Se eu voasse muito alto, podia acabar caindo feio, na minha cabeça. E não estava ajudando pensando em aparecer na TV, na internet, enfim. Eu só queria ajudar. Só a visibilidade para o transtorno que o seriado traria seria suficiente para que eu fosse recompensada.

A partir de julho, tudo aconteceu rápido: apareci no GSHOW, Fátima Bernardes, enfim... Graças à Glória eu hoje posso mostrar minha cara, meu nome, minha luta. Eu posso tatuar o símbolo do blog no braço, eu posso dizer que tenho o Transtorno de Personalidade Borderline e mesmo assim trabalho, ganho meu dinheiro, pago minhas contas. Que faço terapia sim, que tomo remédio sim, e que ninguém pode usar isso contra mim. Posso lutar contra o estigma com minha própria voz.

E a Ray foi nossa voz. Cada vez que eu a via ali, chorando, se cortando, confusa, angustiada, enraivecida, eu me via, exposta nas minhas fraquezas e qualidades, como tantos outros que com certeza sentiam a mesma coisa. Ela foi nossa primeira porta para que o Brasil soubesse que não somos simplesmente dramáticas e chamadoras (es) de atenção. Amei e sofri cada minuto. 

Por que estou contando tudo isso aqui? Porque o que aconteceu comigo é prova de que a vida reserva coisas para nós, e não fazemos idéia do que seja. Quando eu criei este blog eu estava num lugar muito escuro. Eu me cortava diariamente. Pensava em morrer sempre. Não saia de casa. E esse mesmo blog me salvou, quando a maioria daqueles que eu conhecia me virou as costas. Se alguém me dissesse que menos de dois anos após criar este espaço eu estaria na Globo, eu ia rir muito, afinal de contas, não achava sequer que estaria viva.

Foi no ajudar pessoas que me ajudei, me levantei e por isso luto, dia após dia. O blog transformou minha dor em troféu. Eu não estou "curada", caio, levanto, e são as mensagens de estímulo de vocês que me dão forças para continuar.

Que tudo que aconteceu comigo sirva de mais um exemplo que há esperança. Que as vezes fazemos coisas e pegamos caminhos os quais nem imaginamos, mas que o retorno acontece, a vida surpreende. E que, apesar de muitas vezes não acreditarmos, ela vale a pena ser vivida sim.


19 de dez. de 2014

Sobre o “ser” borderline.




Amamos tanto que nos perdemos. Perdemos a nós mesmas pela ausência de uma identidade, por essa desregulação emocional que embaça o juízo. Eu estou reaprendendo a ser quem sou, pouco a pouco. As músicas que gosto, a roupa que visto – um dia blazer, outro tênis no pé – de acordo com meu humor.

Acho que amamos o amor – vício de apaixonar, pelo marido, pela mãe, pai, melhores amigos - vício de sentir muito. O pouco, o blasé, não satisfaz. Só por um período. Enjoa, meu cabelo enjoa, o corpo enjoa, o sentimento enjoa e a sensibilidade aflora.

Todavia tem jeito de tirar este óculos que nos faz enxergar com “olhos de caleidoscópio” (citando John Lennon) – a vida que vale a pena ser vivida é real. Não a normal, aquele “normal” que te fizeram crer ser o certo. O seu “normal”. Sensíveis, coloridos, apaixonantes, seremos sempre, com ou sem diagnóstico. Aliás, somos bem mais do que um. Ao ultrapassá-lo, aprendemos que ser borderline não nos define – ao nos dar conta de quem realmente somos. Ser borderline me ensinou a ser eu.

Por isso, lute. Vá a terapia, cuide de si, acredite mesmo sem acreditar, há luz, Ame-se. Descubra-se. Tente todos os dias, caia, levante, mas não desista. Não se humilhe, se baste. Nem que seja por hoje. Acredite que você é mais que um “ser” borderline e seja, simplesmente.





1 de dez. de 2014

Princesa Borderline - depoimento (e mais uma colaboradora!)




(texto de Isabella, nossa nova colaboradora)

Nada melhor do que eu mesma para relatar essas idas e vindas que ocorrem no cotidiano complexo dessa jovem digamos que "perturbada" pelas próprias lembranças e frustrações.

Digamos que ela segue uma mistura de fada encantada com a bruxa da branca de neve - não que isso seja bom, claro que não é nada bom - mas para ela era uma virtude que poucos infelizes conseguem ter. Mas ela conseguia driblar tudo e todos com seu jeito e suas manias, mas, a única coisa que ela realmente queria era atenção - e ela tinha - era algo diferente, como de costume não era algo comum, ou no fundo era, mas não para ela.

Quando era uma doce criança já enfrentava problemas com as pessoas, ai que vem a pergunta - por causa dela ou dos outros? - Ainda não sei, ninguém sabe, ou pelo menos não quer realmente saber. Ela não conseguia se achar maligna, afinal, como alguém consegue ser maligna com 6 anos? Nos mais aguardados filmes de terror isso sempre foi possível, mas não é uma coisa ocasionalmente pensada, apesar de que os pais sempre aguardam que seus filhos sejam perfeitos... Acontece, que nem toda criança quando lida com os primeiros confrontos faz tudo da maneira mais indicada.

Apesar das idas a psicóloga ou os encontros fervorosos de família, Isa ainda não via nada de tão diferente no seu jeito de ser. Criada pelos pais até os 13 anos, e depois foi morar com sua mãe em um condomínio no centro da cidade, sem conviver com o pai e sua família por quatro anos, o que podemos dizer? Muita coisa muda em quatro anos não é?

A convivência com sua mãe era muito boa, ela era sua melhor amiga, e a jovem sentia muito orgulho da mãe, tanto pela pessoa que era e sem dúvidas a determinação da mãe. Depois da morte de sua avó, tempo difícil, as duas resolveram ajudar uma a outra. Depois desse tempo o pai de Isa ao rever a filha, encontrou uma moça tatuada, que fumava e bebia, e ainda por cima ficava com meninas. Esse primeiro contato não foi a melhor coisa do mundo, mas depois que ele levou a filha em uma clínica psiquiátrica a 1500 km de distância, deve ter levado o um baita susto e resolveu fazer o papel de pai uma vez por semana.

A adolescência não é o melhor período da vida, mas é com ele em que descobrimos quem somos, e foi aí em que começa o tormento e o sangue. A jovem começou a ir em um psiquiatra a pedido da mãe, ao ver que sua filha precisava de ajuda, um tratamento foi iniciado e ela ia ao médico de 15 em 15 dias...
Um tratamento longo, até chegarem a conclusão depois de dois anos que ela tinha um transtorno de personalidade, chamado Borderline. Não era nada fácil para ela entender o que era isso, mas com várias pesquisas na internet e com a ajuda de sua mãe as coisas começaram a se encaixar, com duas tentativas de suicídio nada agradáveis, dias sofridos, automutilação, noites sem dormir, crises, ela resolveu ir se internar. Como ela mesmo dizia "todos deveriam passar por essa experiência", torno das palavras dela as minhas. 

Não é a vida que uma garota de dezessete anos queria, mas ela tentava tirar as coisas boas do momento em que estava, depois de ganhar alta ela começou a encarar os fatos de uma maneira mas coerente, por mais que acabava se frustrando uma vez ou outra. Depois disso, ela recebeu um tiro pelas costas da pessoa que ela mais amava, ela parou, e pensou o que ela deveria fazer naquele momento. Ela ergueu a sua cabeça e foi em diante. 
E tudo ficou feliz para sempre? Não, ela passava por provas todos os dias de sua vida, por um tempo resolveu ficar afastada de tudo, ficar na sua cama, ver seu filme, curtir sua gata Amy e aproveitar o que ela tinha para aproveitar nos dias atuais. 

Ela não era nenhuma princesa de contos de fada, era uma guerreira, graças ao apoio e carinho de sua mãe que acreditou nela até quando a própria Isabella deixou de acreditar.